O estudo proposto pelo Instituto Nacional de Saúde (NIH) pretende reunir informações provenientes de diversas fontes privadas, incluindo redes farmacêuticas, hospitais e dispositivos vestíveis equipados com sensores de saúde, como relógios inteligentes. Esse movimento faz parte da agenda prioritária do Secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr., que considera o autismo uma epidemia ambiental e promete encontrar uma solução até setembro deste ano.
O diretor do NIH, Jay Bhattacharya, explicou que a iniciativa visa resolver um problema recorrente no campo da pesquisa médica: a fragmentação e dificuldade de acesso a dados confiáveis. Atualmente, muitos recursos de dados existentes são dispersos e caros, mesmo dentro do próprio governo federal. Ao integrar essas informações, espera-se acelerar o progresso científico na compreensão do autismo.
No entanto, a decisão de recolher dados tão abrangentes levanta questões éticas importantes. Apesar das boas intenções declaradas pelas autoridades, especialistas alertam que tal abordagem pode comprometer a privacidade dos cidadãos americanos. Além disso, há dúvidas sobre a eficácia desse método para alcançar os objetivos propostos, especialmente considerando a complexidade genética e ambiental associada ao transtorno do espectro autista (TEA).
Kennedy Jr. tem defendido publicamente a ideia de que fatores ambientais, como toxinas, podem estar diretamente relacionados ao aumento na prevalência do autismo. Ele chegou a sugerir que vacinas infantis poderiam ser responsáveis, contrariando ampla evidência científica que refuta essa conexão. Essa posição tem sido criticada por comunidades científicas e médicas, que ressaltam a importância de basear políticas públicas em dados sólidos e revisados.
Por outro lado, pesquisadores como Zachary Warren, da Universidade Vanderbilt, enfatizam que o autismo é um fenômeno multifacetado, resultante de interações entre múltiplos fatores neurogenéticos e ambientais. Portanto, atribuir sua causa a um único agente pode ser simplista e enganoso. Esse debate reflete a necessidade de um entendimento mais profundo e cuidadoso do tema antes de qualquer intervenção drástica.
A coleta maciça de informações médicas suscita inquietações entre ativistas pela privacidade e pessoas com autismo. Angelo Santabarbara, membro da Assembleia do Estado de Nova York, qualificou o projeto como "perigoso, antiético e uma ameaça séria à privacidade". Ele argumentou que as pessoas com autismo merecem respeito e dignidade, não vigilância governamental invasiva.
Sara Geoghegan, conselheira sênior do Centro de Informação Eletrônica e Privacidade, expressou perplexidade diante da decisão do NIH. Ela questionou como seria garantida a segurança desses dados sensíveis e destacou a falta de transparência no processo. Além disso, comparou o esforço atual com práticas anteriores, onde o uso de dados para pesquisa era mais estritamente regulamentado e protegido.
Andrew Crawford, do Centro para Democracia e Tecnologia, observou que este caso ilustra uma tendência preocupante dentro da administração federal americana. Ele citou exemplos anteriores, como o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), onde funcionários tiveram acesso irrestrito a informações pessoais altamente confidenciais, como bases de dados do Seguro Social. Tal precedente aumenta as preocupações sobre o potencial abuso desses sistemas por parte do governo.
Diante desse cenário, surge a pergunta crucial: será possível conciliar avanços científicos com a preservação dos direitos individuais? Para alguns, a resposta envolve maior clareza nas políticas de coleta e compartilhamento de dados, bem como supervisão independente para evitar abusos. No entanto, outros sustentam que certas fronteiras não devem ser cruzadas, independentemente das intenções subjacentes.