No coração do Chile, o deserto do Atacama se tornou um símbolo preocupante do impacto ambiental causado pela indústria têxtil. Anualmente, milhares de toneladas de roupas descartadas clandestinamente transformam este local em um enorme depósito de resíduos. Em resposta a essa crise, uma iniciativa inovadora liderada por organizações brasileiras e chilenas busca recolher essas peças abandonadas para redistribuí-las gratuitamente, destacando a necessidade de mudanças no setor.
Em meio às paisagens áridas do deserto do Atacama, estima-se que cerca de 39 mil toneladas de roupas sejam descartadas anualmente de forma ilegal. Esse problema é amplificado pelo porto de Iquique, onde mais de 59 mil toneladas de vestuário não vendido ou com defeitos chegam todos os anos. Parte desses materiais segue para mercados secundários, mas grande parte permanece no deserto, formando montanhas de poliéster, jeans e outros tecidos que levam centenas de anos para decompor.
Diante dessa realidade, a Fashion Revolution Brasil, em colaboração com a organização chilena Desierto Vestido, lançou uma campanha para coletar e reutilizar essas peças. As roupas são higienizadas e disponibilizadas ao público através de um site, cobrando apenas o custo do transporte, realizado de forma sustentável por uma empresa comprometida com a neutralização de carbono. Recentemente, um lote de 300 unidades, incluindo itens de marcas famosas, foi esgotado em menos de cinco horas.
A diretora executiva do Fashion Revolution Brasil, Fernanda Simon, explica que a intenção vai além da distribuição gratuita: “Queremos chamar atenção para o modelo insustentável da moda atual, que produz além da capacidade de consumo e prejudica o meio ambiente.” Segundo ela, a responsabilidade principal não deve ser atribuída aos consumidores, mas sim às empresas que geram esse desperdício.
A situação no Atacama reflete uma tendência global preocupante. Estudos indicam que mais de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis foram descartados recentemente, muitos deles compostos por poliéster, material derivado do petróleo que leva séculos para se decompor. Além disso, a indústria da moda consome enormes quantidades de água e contribui significativamente para as emissões globais de carbono.
Para Marta Camila Carneiro, especialista em ESG e professora da FGV, o cenário exige uma revisão urgente dos modelos de negócio adotados pelas empresas. Ela defende a necessidade de políticas públicas eficazes que obriguem as marcas a assumirem responsabilidades sobre seus resíduos e promovam práticas mais sustentáveis.
Como consumidores, temos um papel crucial nessa transformação. Compreender o impacto das nossas escolhas diárias e pressionar por mudanças no sistema pode ser o primeiro passo para mitigar os danos já causados. Afinal, o Atacama serve como um lembrete visual do quão longe estamos de construir uma indústria realmente consciente e responsável.